Você está aqui: Página Inicial / REFLEXÕES / Sobre a Reforma Política

Sobre a Reforma Política

A Educação Política dentro da Reforma Política - O Jogo de matar políticos

SOBRE A REFORMA POLÍTICA

 

Por Elizeth Mesquita[i]

 Em 2005, o jornalista Gilberto Dimensteins publicou o seguinte texto:

 O jogo de matar políticos

 

Uma agência de publicidade da Polônia criou um site com um jogo para matar políticos. Em apenas três dias, o jogo recebeu duzentos mil visitantes, especialmente os jovens. Suspeito que se essa brincadeira de mau gosto fosse lançada no Brasil o sucesso seria enorme.

Semanas atrás, só porque ousei dizer que era desnecessário --como era mesmo-- algemar Flávio Maluf, que se entregara pacificamente, recebi uma torrente de e-mails, colocando-me como conivente da bandalheira. Isso só porque fui contra da pirotecnia policial.

Uma das consequências que se vê desta interminável crise moral no país é justamente ter aumentado ainda mais o descrédito nos políticos, nos partidos e, de tabela, na democracia. Só uma minoria percebe que há um esforço de alguns setores, inclusive entre vários homens públicos, para melhorar o país, apesar de todas as incompetências e falcatruas.

Se não conseguirmos transmitir o fato de que a democracia está aperfeiçoando o país, cada vez mais jovens, pelo menos na sua cabeça, terão matado não só os políticos, mas a política. Essa é uma das grandes tarefas dos educadores brasileiros.

 

Assim como ele, passados 10 anos dessa notícia, Suspeito que se essa brincadeira de mau gosto fosse lançada no Brasil o sucesso seria enorme.

Mais preocupante mesmo é a constatação de que nossos jovens não só matariam os políticos, mas também a política e a democracia.

Por isso, a importância de investirmos em massa na educação política de nossos jovens. Esse é o único caminho que vislumbramos para mudar esse quadro de descrença na política mundial. Nossos jovens não sabem nem o que é democracia, muito menos o que é a política como ciência.

Acompanhando com muito interesse as discussões e propostas de reforma política que está a acontecer no Congresso Nacional verifico que o foco dos debates e proposições tem sido a coibição dos ilícitos eleitorais, sugerindo a modificação do sistema de voto proporcional, do sistema de financiamento público de campanhas eleitorais, o fim da reeleição como forma de evitar o abuso do poder político, o fim da composição de chapas para o cargo de senador para evitar a falta de representatividade popular dos suplentes, o fim do voto obrigatório, dentre outras medidas.

Mas infelizmente não vejo ninguém apresentar uma proposta sequer para melhorar a educação política do povo, aquele que é obrigado a ser eleitor e quer transformar essa obrigação em faculdade, para não ter que ir às urnas eleger corruptos.

Me pergunto: haveria necessidade de uma reforma política dessa envergadura se tivéssemos um POVO, diga-se cidadão, politizado, consciente de seus deveres e de seus direitos em escolher representantes para conduzir a estrutura democrática instalada formalmente em nossa carta magna? Creio que não. Penso que de nada adiantará criar leis e mecanismos de combate à corrupção estatal, se não trabalharmos a educação do povo, de forma que passe a ter consciência da nocividade dessas condutas. A cada mecanismo de combate à corrupção criado, novos esquemas de burla à lei são desenvolvidos, mais requintados que os anteriores. Parece que o rigor da lei serve de estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias de corrupção. Será que é viciante? Uma vez corrupto, nunca mais seria honesto? Peço a Deus que não.

Voltando à educação política, falo aqui de educação crítica, sem o viés da doutrinação ideológica em favor de partido A ou B. O cidadão deve conhecer e discutir todas as ideologias partidárias e conseguir escolher livremente a que mais se encaixa na sua concepção de democracia.

Nosso cidadão, em sua grande maioria, se encontra na base da pirâmide de Maslow (aquela das necessidades humanas), que corresponde às necessidades fisiológicas de sobrevivência (alimentação, moradia, saneamento), o que é suprido por assistencialismo governamental, de forma precária, através de programas sociais, criando uma dependência viciosa (mais uma vez aparece aqui o vício).

Enquanto grande parte do povo se encontrar na base da pirâmide, migrando eventualmente (penso que até virtualmente ou ilusoriamente) para o segundo nível - segurança, quando busca desesperadamente melhores condições de saúde, saneamento básico, combate á violência, emprego, etc., como poderá pensar em almejar estados mentais filosóficos? O pensamento é apenas um: sobreviver a todo custo. Nossa cultura ocidental do consumo não abre mão do bem estar físico, como acontece em algumas civilizações orientais.

A moral e a ética se encontram no topo da pirâmide (autorrealização), que é o quinto nível de evolução humana. Poucos indivíduos que se encontram em estado de pobreza têm elevação espiritual suficiente para filosofar enquanto sua família passa fome, morre de doenças endêmicas básicas, não tem onde morar.

Mas... se desde pequenas, nossas crianças começarem a entender como funciona a política, mais cedo começarão a agir em favor da democracia e de sua própria cidadania, pois estarão preparadas para escolher representantes mais comprometidos com o bem comum, saindo da condição de idiota (palavra de origem grega que significa indivíduo que pensa somente em si, que olha somente para o próprio umbigo, como bem diz o filósofo Mário Sérgio Cortella), para a condição de cidadão (palavra de origem latina que significa indivíduo que pensa no bem comum, da cidade = polis [grego -> político]. Ou seja, cidadão = político.

Bom, se a solução é a educação política, como podemos implementá-la na reforma política?

O primeiro passo é alterar a LDB (Lei de diretrizes e Bases da Educação), para incluir a disciplina de educação política a partir do ensino fundamental I, como matéria obrigatória nas escolas. Essa parece fácil.

O segundo passo mexe no bolso dos partidos políticos. Aqui a coisa se complica e certamente haverá resistência da classe. Trata-se de destinar a arrecadação das multas eleitorais a um Fundo de Educação Política, administrado pela Justiça Eleitoral, que teria como objetivo implementar ações de formação política aos cidadãos, desde a infância. Por óbvio, essas ações também seriam executadas pela Justiça Eleitoral, em parceria com entidades apartidárias.

Atualmente, 100% da arrecadação de multas eleitorais, de qualquer natureza, é destinada ao fundo Partidário (art. 38, I, da Lei 9.096/95), que também conta com uma parcela do orçamento fiscal da União[ii], dentre outras fontes. De certo que todos os partidos políticos beneficiários de cotas do fundo partidário, têm obrigação de investir pelo menos 20%, do total recebido, na educação política e prestar contas desse investimento, através de seus institutos/fundações de pesquisa e de doutrinação e educação política. No entanto, essa educação política é exclusivamente ideológica, doutrinária, voltada aos interesses do partido, para seus filiados, não para a população em geral, para o cidadão.

Portanto, penso que esses dois passos: Inclusão da disciplina obrigatória de Educação Política na grade curricular a partir do ensino fundamental I e destinação das multas eleitorais para o fundo de Educação Política, já seria um bom começo para uma efetiva mudança da política brasileira, sem prejuízo das alterações propostas na reforma política em andamento no Congresso Nacional.

 



[i]  Elizeth Mesquita é Analista Judiciária do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia e Especialista em Direito e Processo Eleitoral.

 [ii] No orçamento da União de 2014, foram destinados R$ 364.335.253,00 (trezentos e sessenta e quatro milhões, trezentos e trinta e cinco mil, duzentos e cinquenta e três reais), aí incluída a previsão de arrecadação de multas eleitorais. Para 2015, consta da proposta orçamentária o valor de R$ 289.569.220,00 (Duzentos e oitenta e nove milhões, quinhentos e sessenta e nove mil, duzentos e vinte reais), dentre os quais, a previsão de arrecadação com multas eleitorais no montante de R$ 56.284.220 (cinquenta e seis milhões, duzentos e oitenta e quatro mil, duzentos e vinte reais). Fonte: SIAFI.

No entanto, o PLO 2015 foi alterado no Congresso, triplicando o valor proposto pelo Executivo, passando ao extraordinário valor aproximado de R$ 867,5 milhões. A PLOA 2015 ainda não foi sancionada até esta data.

 Somente de multas eleitorais em 2014, foram arrecadados R$ 58.460.772,00 (cinquenta e oito milhões, quatrocentos e sessenta mil, setecentos e setenta e dois reais) – fonte: TSE.